Ednardo Rodrigues Brasil
Aprendi, desde muito cedo, que as pessoas não hesitaram em jogar na tua cara os teus pontos fracos, caso se sintam ofendidas por você. Parece uma espécie instintiva de defesa, muito embora isso não atenue em nada as fragilidades de quem usa esse tipo de artificio. Muito embora ou não considere isso uma vingança, vejo como uma forma das pessoas não se saírem por baixo diante de uma ofensa ou discussão.
Muito jovem, me tornei um alcoólatra e isso era, com certeza, a minha grande fragilidade. Era inteligente, criativo, de boa aparência, mas essas qualidades não prevaleciam e parecia que as pessoas só enxergavam a minha grande fraqueza: a bebida. Esse estigma não se descolava de mim, quer seja no trabalho, no futebol e nos relacionamentos.
Por conta do vício, mesmo capacitado, eu não conseguia um empego decente, e quando conseguia, não permanecia por muito tempo. Acabei na roça. Meu pai não tinha nenhum prazer nisso. Havia me colocado para estudar na capital, em escola particular. Sonhava com o dia em que eu me tornaria engenheiro civil. Decepção total. Mal terminei o Ensino Fundamental. Não lhe restava outra coisa a não ser me mandar pra roça.
Sempre de ressaca, eu e meu irmão Everardo não caminhávamos até o roçado, a gente se arrastava e, lá chegando, quase nada produzíamos. Usávamos mais a enxada como uma ferramenta de trabalho. Muitas vezes, deitávamos à sombra do velho juazeiro que havia do lado da plantação. Esporadicamente, meu pai aparecia e constatava o nosso baixo rendimento no trabalho. Não brigava com a gente, porém não nos dispensava da tarefa. No dia seguinte, de novo, nos mandava para o nosso calvário. Por alguns anos, essa foi a rotina.
Certo dia, em um ano de estiagem, quase nenhuma chuva, lá chegamos, com a ressaca e indisposição costumeiras, para raspar a terra seca. Ouvimos, imediatamente, o tilintar de enxadas em contato com pedras, ao mesmo tempo em que pessoas pareciam discutir. Percebemos que, no terreno acima do nosso, estava Luís Vicente, velho conhecido nosso, preparando um pedaço de terra para fazer uma plantação de feijão. Em sua companhia, seus vários filhos que, assim como nós, não tinham a menor vocação para a agricultura.
Diferente do nosso terreno, que era macio, a porção de Luís era repleta de pedras, o que, num período de escassez de chuvas, dificultava mais ainda o trabalho. Os filhos reclamavam, resmungavam, murmuravam contra o pai. Luís gritava com os filhos, tentando colocar ordem na coisa. O tilintar, que mais parecia vindo de uma luta de espadas, continuava. Eu e meu irmãos ríamos. Não me contive, e pra fazer graça, gritei, de onde estava:
– Ei Luís, tá arrancando ouro?
Sabedor do meu problema com bebida, Luís foi rápido e rasteiro na resposta:
– Não. Tô procurando um litro de Ypioca.
Meio desconcertado, mas sem me mostrar ofendido, gritei de volta:
– Se encontrar, pelo amor de Deus, joga aqui pra baixo!
Debaixo daquele sol escaldante e diante do clima quase desolador, rimos todos. Depois de algum tempo de serviço improdutivo, voltamos juntos, eu, meu irmão e Luís com seus filhos para nossas casas.
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