Ednardo Rodrigues Brasil
Houve uma época em que padaria não existia em minha localidade. Então, eram comuns os chamados “vendedores de pão”, que passavam de porta em porta oferecendo os mais variados itens de massa.
Um dos mais conhecidos entre esses vendedores ambulantes era Manoel Bernaldo. Era um senhor que beirava a terceira idade. Morava na vizinha cidade de Madalena, de onde, com seu jumento aparelhado com um “jogo de malas”, duas ou três vezes por semana, andava cerca de três léguas até Boqueirão e circunvizinhança para negociar seus produtos de panificação.
Em todas as suas viagens, se hospedava na casa de Raimundo Xavier. Que Deus não me chame para testemunho, mas diziam as más línguas que Seu Manel tinha um caso com a esposa do hospedeiro. Xavier não se importava com as fofocas e até se aproveitava, visto que era metido a poeta, para fazer “versos”, com os quais levava a gargalhadas seus companheiros de bebedeira. Enfim, coisas irrelevantes, pois não é de fofoca que trata nossa história.
Todas as vezes em que vinha a Boqueirão, Seu Manel passava no comércio de meu pai. Eram velhos amigos e aproveitavam o encontro para colocar as conversas em dias. Papai perguntava de seus amigos de Madalena, de como iam os negócios, do inverno, coisas do tipo.
Certa vez, meu pai perguntou ao vendedor de pão se a família deste estava bem. Seu Bernaldo tinha uma prole numerosa, o que com certeza, lhe trazia preocupações. O homem coçou a cabeça e desabafou:
– Seu Chico, vai do jeito que Deus quer. Os meninos vão por lá se virando e as meninas me dando um trabalho danado.
Meu pai não mostrou surpresa, pois também tinha uma família grande. Sabia que não era fácil e tentou amenizar a situação:
– É assim mesmo, Seu Manel. Meus filhos me dão preocupação semelhante.
Manoel Bernaldo rebateu:
– O senhor tem sorte. Pelo menos não tem “fia mulher.” Uma lá em casa, agora, apareceu “buchuda”.
A gravidez antes do casamento, naquela época, ainda causava espanto. Meu pai, quase em tom de revolta, disse:
– Mas o cabra assumiu?
O homem, meio que desconsolado, respondeu:
– Que nada, seu Chico. Deixou a bichinha e ainda arrumou uma namorada. O senhor acredita que todos os dias ele passa lá em frente de casa mais a outra, “mangando” da minha fia?
Meu pai, indignado, lamentou a inércia de Seu Manel e seus filhos e disparou:
– Meu amigo, o senhor me desculpa a pergunta, mas, nessa casa não tem homem não?
Sem pensar duas vezes, Manel Bernaldo argumentou:
– Tem, Seu Chico, mas os cabras só querem as “muié”. Vai querer um pãozinho, hoje?
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