O mergulho suicida

Ednardo Rodrigues Brasil

O velho açude do Boqueirão, construído no século passado – precisamente na década de 1950 – sempre foi de grande utilidade para os moradores daquela região, fornecendo não somente água, como também os mais variados peixes, o que foi base de sustentação alimentar e renda para várias famílias. Traíra, cará, curimatã, dentre outras espécies, eram abundantes nas águas do Boqueirão.
Dentre os diversos pescadores que exploravam aquelas águas, estava Xavier – sempre o conheci assim, portanto desconheço qualquer sobrenome do indivíduo em questão. Residia na fazenda Boa Sorte, de propriedade da família Carneiro. Era homem simples, agricultor, tinha muitos filhos e, para complementar a renda familiar e a própria alimentação, era também pescador. Tirava das pescarias o necessário para a “mistura” e a sobra vendia de porta em porta.
Era comum encontrar pelas estradas da região, o Xavier, sempre montando sua velha bicicleta. Quando digo velha não é no sentido figurado, era realmente o que, na época, chamávamos de “sucata”. Não muito raro, as pessoas faziam piada com o meio de transporte do homem. Por incrível que possa parecer, ele não se importava com isso. A paciência de Xavier chegava a ser irritante. Só uma coisa o tirava do sério: o apelido “Jacaré”. Caso alguém usasse a alcunha, o pacato homem tonava-se irreconhecível e chegava a ser violento.
Com dois de seus muitos filhos, certa vez, Xavier partiu para mais um dia normal de pescaria. Pouco depois do meio dia, soltaram as linhas. Deram alguns “batidos” para empurrar os peixes rumo à rede e aguardaram. O açude estava bastante cheio e aquela parte em que estavam, até então, era desconhecida e inexplorada por ele.
Perto do anoitecer, lá foi o trio retirar a rede, conhecida na região como “galão”. Começaram a recolher os peixes quando, de repente, perceberam que a rede havia enganchado. Com certeza, estaria presa a um galho submerso. O fato deixou Xavier bastante preocupado, muito embora fosse um incidente comum em uma pescaria. Porém, aquela região do açude era desconhecida. Não tinha outra solução: era partir pro mergulho, embora este pudesse ser fatal.
O pescador começou a preparação para a submersão. Tirou a calça, a camisa e ficou só de “ceroulas”. Fez uma análise visual detalhada do local. Aquele local tenebroso, de águas escuras, com certeza, deveria ser de grande profundidade. Grandes árvores submersas, de galhos entrelaçados, deveriam estar lá embaixo, prontas para aprisiona-lo em seus tentáculos mortais. Lamaçal, talvez com metros de profundidade, poderia lhe engolir facilmente. Todas as hipóteses levantadas pareciam sombrias. Mas, fazer o quê, era a sobrevivência da sua família que estava em jogo e, como chefe desta, não poderia se abster da responsabilidade de botar comida na mesa. Iria descer rumo ao abismo.
Antes da ação de alto risco, deveria preparar os filhos que lhe acompanhavam para o pior. Chamou a atenção dos meninos para a possibilidade de não retornar do mergulho. Em tom emocionado, pediu aos dois que, se o pior acontecesse, confortassem sua esposa. Implorou para que eles e seus outros irmãos não abandonassem a mãe viúva. Por fim, olhou para os céus, pediu a proteção dos santos, fez o sinal da cruz e, em forma de adeus, beijou os filhos que, certos da aproximação da orfandade, a essa altura, choravam copiosamente. Pulou da pequena canoa.
Em prantos, os filhos de Xavier deram as costas para não testemunhar o fim do próprio pai. Já pensavam como voltar para casa sem ele. Não saberiam como contar à pobre mãe a partida definitiva do marido.
De repente, os tenebrosos pensamentos foram interrompidos pela voz do pai. Teria escapado da morte ou já seria uma voz do além? Meio relutantes, viraram o rosto devagar e, incrédulos, viram o pai, de pé, a sua frente e com água pouco acima do joelho.
Meio desconcertado e com um sorriso amarelo, Xavier argumentou:
– Meninos, eu pensei que fosse mais fundo!
Recolheram a rede, os poucos peixes e rumaram para casa, sem mais tocar no assunto.

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