A flor da Paraíba

Ednardo Rodrigues Brasil

Parece que é mesmo da natureza do ser humano a ideia de que seus problemas sejam maiores e mais importantes do que os outros.
Quando estamos envoltos em alguma situação difícil, geralmente, ficamos com nossos pensamentos totalmente voltados para isso, não conseguimos parar de pensar e passamos a não observar o que acontece à nossa volta. Dessa forma, acreditamos que só nós temos problemas e que eles são infinitamente complicados, nos tornando diferentes das demais pessoas. Isso acontece, por exemplo, quando passamos por um término de relacionamento.
Há alguns anos, passei por um processo de separação de uma pessoa com a qual vivi por décadas, com o complicador de que temos três filhos, e dois destes eram menores à época. Foi uma fase complicada da minha vida. Não foi fácil ter que deixar minha casa e, principalmente, meus filhos. Morar sozinho foi outro grande desafio, haja vista que trabalhava em três períodos e não havia ninguém para cuidar do básico em minha nova moradia. Mesmo cansado, em decorrência da correria profissional, lutava contra uma terrível insônia, que já me acompanhava há anos. As noites eram longas e cansativas.
O aparelho de celular era meu companheiro solidário das madrugadas, o qual eu usava para tentar me tornar um pouco mais sociável, já que vivia, no momento, um estado de introspecção quase que absoluto. Acompanhava as diversas postagens do Facebook e, no Messenger, puxava conversa aleatoriamente, sem me importar se o interlocutor iria, ou não, responder. Ali, mergulhado naquele mundo paralelo do aplicativo por diversas vezes vi raiar o dia.
Numa madrugada qualquer, por volta de duas horas, lá estava eu naquele canal de bate papo, na esperança de avistar algum pontinho verde que pudesse de alguma forma me ajudar a tornar a noite menos solitária. Dentre os milhares de “amigos” do aplicativo, apenas um estava online: Flor da Paraíba. Consultei seu perfil. Tinha foto e algumas informações pessoais. Era um perfil de verdade.
Sem nenhum assunto em mente, digitei o óbvio:
– Olá, boa noite!
Do outro lado, veio uma resposta seca e direta:
– Só se for pra você, porque eu vou me matar agora!
Estupefato, procurei manter a tranquilidade. Aquela mulher não poderia estar falando sério. Então, mandei, meio sem pensar:
– Antes de fazer isso, dá pra conversar um pouquinho comigo?
– Você pensa que estou brincando? – respondeu ela.
– Claro que não! – Falei. – Todos nós temos, em algum momento, algum motivo para pensar nisso. Porém, em compensação, temos milhares de outros para escolher viver.
– Você não sabe de nada!
– retrucou ela. – Minha vida não tem sentido. Não tenho um companheiro, estou desempregada, só tenho uma tia, com quem eu moro, e esta está com câncer terminal. Não suporto mais ver o sofrimento dela!
– Ah, entendi!
– rebati. – Quer dizer que morrer e deixar tua tia só é uma maneira de ajudar?
E assim a conversa foi se prologando em torno dos prós e contras de ceifar a própria vida. A certa altura, a Flor da Paraíba alertou para o fato de ter de preparar o banho e o alimento de sua tia. Já passava das seis horas da manhã. Perguntei, despretensioso, se podíamos conversar novamente à noite, ao que ela respondeu sim. Fiz com que prometesse que estaria lá. De preferência, viva. Ela disse que sim e nos despedimos, já com um “bom dia”.
Logo em seguida, saí cambaleando para mais um dia de trabalho, mas nem a ressaca braba de uma noite em claro me fazia tirar da cabeça o drama da Flor da Paraíba. Na verdade, tinha receio de que, à noite, ela não estivesse lá e cumprido suas ameaças. Como de costume trabalhei até às dez e quão logo cheguei em casa, mandei um olá para a moça. A resposta veio de imediato, com um surpreendente “boa noite, meu anjo!”, o que me deixou aliviado e bastante feliz.
Dali em diante, por algum tempo, sempre me tratando como anjo, a moça conversava comigo todas as noites. Agradecia aos céus por eu tê-la abordado justamente naquela noite sombria em que estava decidida a não mais viver. Me tratava como alguém que teria sido enviado para contornar aquela situação desesperadora, muito embora eu acredite que tenha sido apenas uma feliz coincidência.
Alguns meses depois, entrei em um novo relacionamento e, por uma questão de conveniência, pus fim às conversas noturnas com a amiga paraibana. Fiz uma nova conta no Facebook e perdi definitivamente seu contato.
Anos se foram e outro dia encontrei nas sugestões de amizade do mesmo aplicativo o nome da Flor da Paraíba. Não resisti à curiosidade e dei uma olhada na sua conta. No perfil, uma jovem sorridente e na foto de capa está acompanhada de um jovem que parece ser um dos motivos de sua felicidade. Nas informações pessoais, vê-se que concluiu o curso de Pedagogia e o nome de uma empresa, na qual, imagino esteja trabalhando. Não vi nenhuma referência à tia, comuns na outra conta, mas deduzo que tenha também encontrado alívio, só que nos braços de Deus.
Nunca mais falei com a Flor da Paraíba, mas jamais esquecerei das lições tiradas de nosso encontro inesperado. Aprendi que ao acaso pode trazer grandes possibilidades; que uma palavra tem o poder de mudar uma situação que parece irreversível; que você pode, com boa vontade, renova esperanças perdidas, aprendi, finalmente, que seu problema nunca é o maior e sem solução. De repente, um anjo totalmente improvável aparece e muda seu destino.

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