Venceslau Vieira Batista

Venceslau Vieira Batista nasceu no dia 28 de setembro de 1894 no Município de Santa Quitéria, que está localizado na região Noroeste do Estado do Ceará, distante 222 quilômetros da cidade de Fortaleza, sendo filho de José Batista Evangelista Vieira e de Francisca Rodrigues da Conceição Mesquita Pinto.
Os seus avós paternos se chamavam Antônio Batista Evangelista e Angélica Batista, já os maternos eram Gonçalo José do Rego e Antônia Pinto.
No ano seguinte, em 2 de fevereiro, seguindo o costume da confissão religiosa de seus pais, recebeu o batismo pelas mãos do Mons. João Alfredo Furtado.
Pouco sabíamos sobre os primeiros anos de sua infância e juventude, mas essa época pôde ser meticulosamente reconstruída graças a um pequeno e despretensioso diário que propositalmente foi deixado como herança aos seus filhos, um valioso texto que registra as suas memórias sobre os locais onde habitou, como também os fatos da história política e social de nosso país em seu tempo.
Sobre os seus pais, desejando deixar essas informações aos seus descendentes, ele afirmou:

“Minha genealogia não teve foros de grandeza e eu nasci em um berço humilde. Meu pai nasceu em um reduto de sua família, no lugar [denominado de] ‘Descanso’, da Paróquia de Independência, do Ceará… Cedo da vida meu pai foi para a antiga Barra do Macaco, hoje Macaraú, neste Estado. Acostado a um velho chamado Eufrásio, aprendeu com este o ofício de ourives, de que fez profissão. Casou-se com minha mãe… nascida no lugar [chamado de] ‘Picos’, da Paróquia de Santa Quitéria, em 1888… Meus irmãos foram: Luiz, nascido a 2 de outubro de 1890 e falecido em 1937 na Fazenda Cachoeira do Fogo, termo de Independência…; Antônio Neves Batista, nascido em Macaraú a 5 de agosto de 1892, esteve 16 anos na selva do Amazonas e morreu de paratifo em Sobral na Casa de Misericórdia em 1933; Paulo Vieira Batista, nascido em Macaraú; Maria, nascida em Ubajara em 1901…; Pedro, nascido em 21 de outubro de 1903 em Macaraú…; Ladislau, nascido a 29 de abril de 1906.”

Quando nasceu, foi o terceiro filho do casal a vir ao mundo com o auxílio de uma parteira em uma pequena propriedade denominada de “Fazenda Várzea do Olho d’Água”, existente na localidade de Macaraú.
A curiosa denominação de “Macaraú” surgiu por conta do encontro de dois rios existentes na região, Macacos e Acaraú, que depois passou a ser chamado de Entre-Rios, ganhando inclusive, por volta de 1929, a sua autonomia política, quando tinha como chefe político o Coronel Joaquim José dos Santos Correia, que era ligado ao grupo da “Oligarquia Accioly”.
Algum tempo depois de seu nascimento, com pouco mais de 5 anos de idade, acompanhado de outros parentes, desejando sobreviver por conta da grave estiagem ocorrida em 1900, o seu pai buscou refúgio na Serra de Ubajara, uma lembrança que ficou gravada em sua memória por muitos anos:

“Lembro-me que sai de casa puxando pelo cabresto uma cabra de leite e pouco mais adiante, montei numa velha burra russa de um meu tio chamado Agostinho. Três anos depois regressamos a Macaraú, ali chegando, em fevereiro, ficamos desolados ao ver o sertão seco, o mata-pasto das chuvas de janeiro secando ao sol impiedoso e o estridor da canção das cigarras alarmando a alma inquieta dos que mal chegavam duma retirada aflita.”

Ao retornar dessa região serrana, quando já estava no período de aptidão para frequentar os bancos escolares, recebeu instrução elementar da Professora Luiza dos Santos, filha do Coronel Joaquim José dos Santos Correia.
Nessa época, por conta do potencial desenvolvimento da vila de Entre-Rios, algumas pessoas se instalaram na vizinhança trazendo na bagagem os seus conhecimentos profissionais, algo que contribuiu para sua formação.

“Em 1905 chegou em Entre-Rios, vindo do colégio do Monsenhor Tabosa, em Santa Quitéria, o moço Miguel Pascoal Braga, que estabeleceu uma farmácia. Andava por ali um outro moço, tipo bisonho, gordo e calado, chamado de Pedro Carneiro de Mesquita Sobrinho. Os dois abriram uma escola noturna para a mocidade da minha geração ou da minha laia, por que vivíamos a solta. Frequentei com os meus irmãos, Luiz e Antônio, essa escola que muito contribuiu para a minha formação moral e proporcionou alguma instrução. Joaquim dos Santos e o boníssimo Major Herculano José Rodrigues, causídico da estrada de ferro de Sobral, muito se interessaram por mim ministrando-me lições gerais e conselhos.”

Nos primeiros meses de 1911, sem haver uma explicação racional para o caso, o seu pai sofreu um enorme prejuízo por conta da inesperada morte do gado de sua propriedade, algo que não afetou apenas a sua região, mas praticamente todo o rebanho cearense, uma pequena demonstração do que estava por acontecer na seca de 1915:

“Sobreveio a seca de 1915, a mais pavorosa calamidade pública que testemunhei. Vi morrer de fome uma moça de uma retirante, assisti cenas degradantes, as mais incríveis, pois que os governos eram indiferentes à sorte dos miseráveis. Não tinha ainda estradas de rodagem e o único meio de escapar era fugir para o Maranhão, onde a maioria morria de febre palustre. Foram muitos os que arribaram amaldiçoando a terra, quando o maldito era o sistema político agnóstico e tenebroso, unilateral e vil que serve só à classe dos potentados do poder e mata de inanição e indiferença as populações campesinas.”

Ainda nesse ano, ganhando uma quantia de 1:000$000 (hum conto de réis) por dia, trabalhava exaustivamente das 6 horas da manhã até às 22 horas com um funileiro chamado “Bezerrinha”, onde ajudava na fabricação de artigos em zinco, principalmente lamparinas e tubos para armazenamento de grãos.
Sendo um bom filho e vivendo afastado dos vícios e tentações da juventude, entregava quase toda a soma do dinheiro para os seus pais para as despesas do lar.
No ano seguinte, por conta das transformações políticas que ocorriam no Estado do Ceará, por muito pouco não perdeu a sua vida em um tiroteio ocorrido no meio da rua de sua pequena vila, quando foi testemunha ocular de que alguns jagunços, a mando do Coronel João Martins do Jaçana, sob o comando de José Anúncio de Sousa Barros, tentaram tirar a vida do Coronel Joaquim José dos Santos Correia.

“João de Sousa Martins, conhecido como Coronel João Martins do Jaçanã, nasceu provavelmente no ano de 1854 e faleceu em 1926 com cerca de 72 anos de idade e morava na Fazenda Jaçanã, que fica situada a mais de 30 quilômetros de Ipu, na rota de Hidrolândia e bem perto de Irajá. Naquela época, o título de ‘coronel’ podia ser adquirido por qualquer indivíduo que se dispusesse a pagar ao governo a quantia de 50 mil réis e tivesse condições de comprar um rifle ‘papo amarelo’ e uma ou mais caixas de balas. Os Martins e sua parentela estiveram imbricados com a política oligárquica. Apoiavam Nogueira Accioly, chefe da oligarquia estadual, e recebiam carta branca para governar a cidade de Ipu. Accioly, por sua vez, apoiava o candidato ao governo federal indicado pelo PRP – o Partido Republicano Paulista, e recebia carta branca para os mandos e desmando no Estado. Assim sendo a família Martins, do Ipu, dominaria a política local desde a montagem da oligarquia aciolina a partir de 1896. Mas, em 1910, esse esquema montado por Campos Sales sofreria uma fissura com a eleição de Hermes da Fonseca para a presidência. Hermes adotou uma política conhecida como salvacionismo, que consistiu em promover uma substituição dos oligarcas estaduais por outras, com o objetivo de ‘moralizar’ a política federal e sob a alegação de que as oligarquias estaduais, com sua corrupção e desmandos, emperravam a administração e desenvolvimento do país. No Ceará foi lançada a candidatura do salvacionista Franco Rabêlo, que derrotou Accioly. Vencedor nas urnas e assumindo a presidência do Estado em 1912, Franco Rabêlo governaria, no entanto, só até 1914, derrubado por uma conjunção de forças estaduais e federais, com destaque para a Sedição de Juazeiro. Este cenário político estadual e federal provocou consequências nefastas para a política ipuense do período. Com a queda de Rabêlo, caíram em Ipu os Martins. Estes não só perderam o poder, como também foram perseguidos, como ‘cães sarnentos’, duramente pelo governo do Estado.” (ZUPERMAR, 2016: Disponível em https://www.zupermar.com/BR/Varjota/298435060260830/Fazenda-Cajazeiras-dos-Caetanos. Acesso no dia 1º de junho de 2018)

Nesse assustador episódio, estando a residência do coronel cercada pelos seus algozes, o tirinete de balas disparado pelos capangas do mandante afugentou os moradores da vila para dentro de suas casas.
Sem ter para onde correr, em desespero abrigou-se ao pé da porta da primeira casa que encontrou, sendo gentilmente socorrido por uma menina que ouviu a sua voz e salvou a sua vida.
Mais tarde, em 1913, por conta da feroz estiagem, a sua família foi forçada a se restabelecer na região da Serra de Ubajara, “comendo farinha de Catolé e passando dias de amargor e jejum forçado”.
Nesse mesmo período o seu pai adoeceu, tornando-lhe o arrimo de sustentação da família, quando conseguiu arrumar um emprego em uma pequena fábrica de doces pertencente a um pernambucano.
Na cidade de São Benedito, construiu fortes laços de amizade com o Capitão Antônio Celso de Jordão, que durante nove meses, no horário noturno, lhe deu aulas gratuitas de língua portuguesa.
Alguns anos depois, em uma noite fria de 1916, saiu a pé de Ubajara até Macaraú na intenção de conseguir um comboieiro que lhe ajudasse na mudança de sua família para uma localidade denominada de Santa Cruz, onde passaram pouco tempo, conseguindo o auxílio de um senhor chamado João Cipriano.
Habitando nessa localidade, permaneceu desenvolvendo a profissão que aprendeu de latoeiro, assumindo também a posição de seu pai como ourives.
No ano seguinte, desejando vender os produtos que fabricava em uma praça mais desenvolvida, passou a residir com a sua família na cidade de Nova Russas, onde o seu irmão mais velho residia.

“Nova Russas é uma cidade nova, em 1902 tinha ali três casas apenas e a melhor foi comprada naquele ano por doze mil réis pelo Tertuliano José da Cruz, que ali constituiu família. Com a chegada da locomotiva em 1912, a localidade despertou para o progresso e agora, no meio do século, conta com mais de três mil almas.”

Nessa cidade, a convite da Professora Francisquinha Marques, aceitou o convite de reger uma das turmas da escola pública existente na cidade, sendo pago pela Liga Contra o Analfabetismo.
Nos últimos dias do mês de julho de 1918, aos 24 anos de idade, contraiu matrimônio civil com Bernardina Martins Vieira, nascida no dia 29 de agosto de 1886, carinhosamente conhecida pelo apelido de “Sinhá”, que era filha do Coronel Francisco de Sousa Barros com Maria Eugênia Martins.
Poucos dias depois, em 2 de agosto, confirmou os seus votos diante do Pe. José Juvêncio de Andrade em uma cerimônia religiosa ocorrida na Igreja Matriz de Nosso Senhor do Bonfim, na cidade de Crateús.
Desse matrimônio foram gerados oito filhos, quatro homens e quatro mulheres, sendo eles:  Francisca Ione Vieira AssefJosé Martins Vieira, Ivone Martins Vieira, Sebastião Martins Vieira, Marcondes Martins Vieira, Maria Martins Vieira, Fábia Martins Vieira e Ivo Martins Vieira.

Imagem de seus filhos.

Depois de casado, por conta da seca que castigou o sertão, o número de alunos diminuiu e tornou impossível a manutenção da escola, lhe obrigando a despedir os poucos matriculados e a investir em uma pequena padaria, que não conseguiu lograr êxito.

“Esse notável benfeitor, além de ter cuidado da saúde das pessoas, também foi um dedicado professor.” (NASCIMENTO, 2002: p. 190)

Nessa mesma época, sentindo compaixão por uma família de retirantes oriundos do Município de Mombaça, resolveu assumir a responsabilidade pelo sustento material de uma criança que se chamava Maria Mercedes, que saiu de sua casa para casar em 1929.
No dia 11 de novembro de 1919, na cidade de Nova Russas, juntamente com os seus familiares, partilhou da notícia do falecimento de seu pai, que foi sepultado no dia seguinte nessa cidade.
No anos seguinte, por conta da seca, resolveu migrar com a sua família para vila de Telha, atual cidade de Monsenhor Tabosa, passando a trabalhar no comércio do Sr. João Camilo Borges, onde permaneceu por nove meses.

“O povoado de Telha, em 1920, já tinha um bom comércio, porém era inculto, de costumes bárbaros e sequer tinha estradas para fora, Viajava-se a cavalo por veredas. Os produtos agrícolas eram transportados em burros para Quixadá e Quixeramobim.”

Durante o tempo em que trabalhou como comerciário, percebendo o nicho de comércio inexistente em Monsenhor Tabosa, resolveu empreender investindo as suas poucas economias em uma quitanda até que, pouco tempo depois, almejando maior lucro, mudou o seu ramo comercial para uma loja de tecidos e farmácia.
Mais tarde, em 1926, resolveu se estabelecer comercialmente na cidade de Tamboril, onde teria melhores perspectivas econômicas, comprando os seus artigos na cidade de Crateús e revendendo-os na cidade de Tamboril, onde ganhou enorme simpatia de sua clientela.
Ainda nesse ano, desejando entrar na vida pública desse Município, conquistou uma das cadeiras da Câmara Municipal de Tamboril, chegado a ser o seu presidente.

“Tinha em Tamboril um delegado de polícia ignorante e sanguinário, e um coletor estadual metido a cabo eleitoral e outras autoridades arbitrarias que faziam prevalecer ali o direito da força e desconheciam a força do direito.”

Diante desses e outros problemas enfrentados, sentindo grande decepção com as autoridades públicas e do sistema político vigente, aos poucos resolveu se afastar da vida pública, retornando para cidade de Monsenhor Tabosa, onde reinstalou a sua loja de tecidos.

“Tinha ojeriza a política como era exercida no sertão, ao qual era reflexo da praticada na capital, quiçá em todo o Brasil.”

Nos primeiros meses de 1930, quando os rumores da revolução foram transmitidos pelo rádio, foi novamente seduzido pela esperança da implantação de uma moralidade administrativa e o estabelecimento das liberdades públicas em nosso país.
Nesse período, foi seduzido pela plataforma de governo de Juarez  Fernandes Távora e de Joaquim Francisco de Assis Brasil, chegando inclusive a comprar um rifle e a se incorporar nas forças rebeldes existentes no Estado do Ceará.
Pouco tempo depois, uma nova decepção política, o novo governo pouco diferia do deposto, chegando a escrever: “fiquei decepcionado e me fiz disponível em matéria de lutas pela regeneração social, não votei mais, tinha nojo dos partidos.”

“Em 1932, quando uma nova seca matava de fome a milhares de cearenses, na minha indignação intima eu jogava toda a culpa do que estava acontecendo no sistema político liberal que nos regia.”

Nesse tempo, com uma mentalidade bastante avançada para a sua época, principalmente para um homem morador do Sertão nordestino, foi influenciado pela Doutrina Social da Igreja Católica, que era amplamente divulgada pelo Pe. Helder Pessoa Câmara, depois arcebispo emérito de Olinda e Recife.

Imagem do grupo de integralistas de Monsenhor Tabosa, em 1936.

Empolgado com essa nova filosofia, mesmo residindo na cidade de Monsenhor Tabosa, envolveu-se com os integrantes do movimento integralista, conhecidos na época como os “camisas-verdes”, um movimento político de extrema direita.

“Fim de tarde, o Sr. Otávio de Souza… sentou-se à calçada, ladeado pela esposa; pelo vigário, o Pe. Jonas Barros; pelo farmacêutico, Venceslau Vieira Batista, a cabeça pensante do integralismo neste rincão e outros…” (MESQUITA, 2000: p. 187)

Esse movimento ideologicamente não aceitava o capitalismo, embora defendesse a propriedade privada, o resgate da cultura nacional e o moralismo. Essa corrente combatia abertamente o comunismo e o liberalismo econômico.
Conhecendo as pessoas e mantendo estreitos laços de amizade com o pároco, envolveu-se também em grande parte dos eventos sociais e cívicos promovidos pela Igreja Matriz de São Sebastião.

“A partir de 1935, por iniciativa do Sr. Venceslau Vieira Batista e do Padre Jonas Barros, então vigário local, foi instituído, também, o desfile de cavalarianos, que todos os anos vem sendo repetido pelos matutos, os quais se prepararam com antecedência, a fim de aparecerem na melhor forma.” (ALVES, 1988: p. 22)

Era uma época perigosa para quem decidia manifestar apoio a esse grupo, que em muitas coisas se assemelhava aos comunistas alemães. Os integralistas eram vistos como uma peste social que deveria ser extirpada em sua raiz.

“O grupo integralista de Telha era coordenado pelo Pe. Jonas Lima Barros, Venceslau Vieira Batista e Otávio de Souza. O grupo, ao todo, compunha-se de 60 inscritos, trajando uniforme (camisa-verde) e sigma no braço. Realizavam atos públicos de gala, banda de música e gritando anauê. Diz a tradição oral que, o grupo integralista da antiga Telha fora o mais firme e organizado do interior cearense. Chegou mesmo a trazer à Telha Ubirajara Índio do Ceará – um dos expoentes máximos do Integralismo no Ceará.” (LIMA, 1994: p. 139)

Diante das perseguições, nos últimos meses de 1936, sendo procurado pela polícia e constantemente caluniado pelos ignorantes, resolveu fixar residência em um povoado da zona rural do Município de Boa Viagem que ainda é denominado de Nossa Senhora do Livramento, atualmente dentro do perímetro do Município de Monsenhor Tabosa, onde passou dois anos.

Imagem de Venceslau Vieira Batista, em 1936.

Em 1939, desejando melhoras econômicas, foi a vez de passar a residir no povoado de Socorro, atualmente denominado de Ibuaçu, também na zona rural do Município de Boa Viagem, onde estabeleceu a sua farmácia e conseguiu ganhar um pouco de sossego e prosperidade econômica.
Mais tarde, nos últimos meses de 1942, por conta de uma nova seca, resolveu se estabelecer em sua cidade natal, onde tinha a companhia do Dr. Farias Sobrinho, juiz de direito e companheiro integralista.
Nessa cidade, no auge da II Guerra Mundial, juntamente com a sua família, voltou a sofrer severas perseguições políticas por conta de seu passado dentro do integralismo, sendo acusado de compor a denominada “quita coluna”, vivendo o conflito de todos os dias chegar a sua casa e encontra-la incendiada.

“Passamos juntos todo o ano, sempre perseguidos pela insidia dos malfeitores fardados [referido-se a policiais]… Um deles era o telegrafista local, sempre ébrio de aguardente ostentando um revólver e um espadim. Certa noite veio até a minha casa tentando prender o meu filho José, sob o pretexto de que este ouvia transmissões de rádio da Alemanha.”

A quita coluna, um grupo de traidores da Espanha, foi a expressão largamente utilizada no Brasil para designar as pessoas que eram consideradas como espiões e ajudaram aos alemães, semelhante ao que ocorreu na Revolução Espanhola em 1936.
Diante dessas ameaças, nos primeiros meses de 1943, resolveu novamente se mudar de endereço, dessa vez fixou residência com a sua família na cidade de Groaíras, localizada na região Noroeste do Estado do Ceará, que na época era conhecida como “Riacho dos Guimarães” e era uma pequena vila pertencente ao Município de Sobral.
Nessa cidade, contando com o apoio de um amigo de infância, que se chamava Raimundo Nonato Maciel, conseguiu a façanha de fundar uma escola primária, que logo foi prejudicada pelo pároco local.

“Porém, foi ali criada uma paróquia e provida essa de um vigário novo, que não tinha o preparo suficiente para julgar os homens e as coisas, apenas o senso comum. Fundou um colégio com o fito de liquidar o que eu mantinha.”

Esse pároco, segundo informações de seus contemporâneos, justificava as suas ações pelo fato de não querer ver os jovens de sua comunidade contaminados pelas ideias integralistas.
Diante desse fato, nos últimos meses de 1944, resolveu retornar para cidade de Nova Russas, onde adquiriu uma casa, passando a fazer a escrita comercial da empresa pertencente ao Sr Luiz Abreu e a vender medicamentos.
Conta-se que, em sua juventude, quando desempenhava atividades de servente de pedreiro, nas construções ou reformas em que participou, tinha o hábito de enterrar uma garrafa de vidro com uma página de jornal e uma carta em seu interior, que posteriormente serviria como uma espécie de “cápsula do tempo” para aqueles que há desenterrassem algum dia.
No ano seguinte, retornou com a sua família para cidade de Tamboril a convite do Sr. José Jorge de Sousa como contratado para fazer a escrita comercial da prefeitura local, deixando essa algum tempo depois para retomar a sua venda de medicamentos.
Nessa época, ansioso com as mudanças causadas no país por conta do fim do conflito mundial, e ainda empolgado com as ideias nacionalistas, resolveu colocar o seu nome na disputa para uma das vagas da Assembleia Legislativa do Estado do Ceará na eleição estadual que aconteceu do dia 3 de outubro de 1945.
Nessa época, grande parte dos integralistas estavam dentro do PRP – o Partido de Representação Popular, uma agremiação partidária de pequena representação existente dentro do cenário político de nosso Estado:

“O Partido de Representação Popular, o PRP, foi fundado por Plínio Salgado em 26 de setembro de 1945. Ele reagrupou os ex-integrantes da Ação Integralista Brasileira e tinha orientação ideológica nacionalista de direita. Esse partido sempre conseguiu representação no Congresso, tinha forte presença na região Sul do país e conseguiu lançar Plínio Salgado a presidência da república nas eleições de 1955.” (S.N.T)

Nesse pleito, a sua agremiação política conseguiu conquistar apenas uma das cadeiras do Poder Legislativo Estadual, pois o Dr. Pio de Sá Barreto Sampaio recebeu 1.860 votos, já ele recebeu a confiança de apenas 118 eleitores, ficando na 12ª suplência do seu partido, algo surpreendente para um pobre e desconhecido sertanejo.
Mais tarde, na eleição estadual seguinte, que foi disputada no dia 19 de janeiro de 1947, militando no mesmo partido, conseguiu receber 381 votos, ficando na quinta suplência de seu partido.
Pouco tempo depois, na eleição municipal que ocorreu no dia 3 de outubro de 1950, dessa vez militando nos quadros políticos da UDN – a União Democrática Nacional, desejando retomar a sua cadeira na Câmara Municipal de Vereadores do Município de Tamboril, conseguiu receber 248 votos, ficando na segunda suplência de seu partido.
Nos primeiros meses de 1951, depois dessas aventuras na política, estando desempregado, desistiu da vida pública por um tempo e resolveu atender a uma proposta de emprego em uma das casas comerciais existentes na cidade do Crato, que anteriormente havia sido feita por Otávio de Souza, um amigo dos tempos de militância integralista.

“Em maio de 1951 fui embora para o Crato. Trabalhei na firma Exportadora e Importadora do Ceará LTDA durante um ano. Gostei daquela terra histórica, de um passado glorioso pelas lutas ali travadas em prol da liberdade. Fiquei devendo muitos favores ao meu amigo Otávio de Souza, que era seu gerente e me animou em ir ao Crato e lá me acolheu.”

Já estabelecido com a sua família na cidade do Crato, que está localizado na região Sul do Estado do Ceará, passou a residir no Bairro da Cruz e, com o apoio de um de seus irmãos, Ladislau Vieira Batista, que residia no  Município de São Luís do Curu, na região Norte do Estado, passou a investir mais da sua atenção no ramo comercial de farmácia.
Permaneceu nessa firma do dia 18 de junho de 1951 ao dia 30 de abril de 1952, quando adquiriu uma farmácia pertencente ao Sr. Pedro Messias de Oliveira, na localidade de Santa Tereza, na zona rural do Município de Quixadá, aonde chegou no dia 6 maio de 1952.
Um ano depois, como se fosse algo preparado pelo destino, assistiu outra grande seca, que também afetou aos seus negócios comerciais, fazendo com que buscasse outro local para subsistir:

“O povo está seguindo a rota aberta pelos pássaros. Penso que não ficará ninguém em Santa Tereza porque o legume está morrendo sem floração quando já é tempo de espiga. O Sol é uma brasa… Centenas de famílias já saíram, o êxodo é constante, muitos se preparam apressados para fugir, pois nem água de cacimba temos mais. Eu, porém, nada decidi. A farmácia está quase seca, o dinheiro minguado. Para onde irei?”

Diante dessa dúvida, no dia 10 de maio de 1953, quando menos esperava, um valioso convite veio de Fortaleza com uma proposta vantajosa de sociedade feita por Antenor Gomes de Barros Leal.

Imagem de Venceslau Vieira Batista ao lado do Dr. José Maria Sampaio de Carvalho, imagem de 1958 em Boa Viagem.

Antes disso, quando residiu nas proximidades do Município de Boa Viagem, estabeleceu forte vínculo de amizade com esse comerciante, que nessa época estava de mudança para capital e relutava em se desfazer de sua farmácia, que era denominada de “Apolo”:

“Chegou a Boa Viagem por volta de 1953. Aqui comprou a farmácia ‘Apolo’ ao seu amigo Antenor Gomes de Barros Leal, passando, a partir daí, a prestar valiosos serviços, na área da saúde, ao povo desta terra que, por certo, lhe é muito grato.” (NASCIMENTO, 2002: p. 190)

Sobre essa sociedade, que lhe causou muita alegria, ao que nos parece durou poucos anos, assim ele afirmou:

“O meu amigo Antenor Gomes de Barros Leal, chamou-me a Fortaleza e convidou-me a gerir a farmácia dele em Boa Viagem, neste Estado. Prometeu fazer uma sociedade comigo sobre os lucros da mesma, além dos proventos de uma agência bancária que seria para mim. E disse mais: ‘que era para nos juntarmos para nunca mais nos separar!'”

A Farmácia Apolo estava localizada na Rua Agronomando Rangel, nº 385, Centro, sendo um ponto comercial bastante conhecido pelos fregueses da região do Sertão Central.

Imagem da Farmácia Apolo, em 1974.

Na cidade de Boa Viagem, era assíduo nas atividades promovidas pela Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem e tinha um enorme prazer, sempre que podia, em ajudar aos mais carentes com as amostras grátis que regularmente conseguia dos laboratórios que representava.

“Sou franciscano terceiro, desde 1940. Ingressei nessa gloriosa ordem em Socorro [atual Ibuaçu] e fiquei adido à congregação em Boa Viagem.”

Nessa mesma época, depois de anos de uma vida relativamente nômade, instalou-se definitivamente em uma casa adquirida de Luiz Araújo na Rua José Rangel de Araújo, nº 122, no Centro da cidade de Boa Viagem, onde passou a residir no dia 22 de fevereiro de 1956.

Imagem da residência de Venceslau Vieira Batista, em 2004.

Pouco tempo depois, no dia 3 de dezembro, foi surpreendido pela notícia do falecimento de sua mãe, que veio a óbito na cidade de Pentecoste.
Mais tarde, nos primeiros meses de 1958, passando por um bom momento em suas finanças, adquiriu propriedades rurais em Ematuba, Campina e Cachoeira das Almas, onde mantinha muito gado em confinamento.
Logo depois, no dia 3 de outubro desse ano, pela terceira e última vez, concorreu por uma das cadeiras da Assembleia Legislativa Estadual, ficando novamente em uma de suas suplências.
Ainda nessa época, segundo registro de seu diário, nos deixou um importante relato tratando das obras que ocorriam na cidade de Boa Viagem na transição entre o governo do Prefeito Delfino de Alencar Araújo para o Prefeito Dr. Gervásio de Queiroz Marinho.

“Estão calçando as ruas de Boa Viagem com paralelepípedo e estendendo a canalização para o abastecimento d’água na cidade. Amanhã, dia 25 de março de 1959, será empossado o  prefeito eleito, Dr. Gervásio de Queiroz Marinho.”

Nesse mesmo período, por conta da cidade de Boa Viagem ainda não possuir agências bancárias, no balcão de sua farmácia, rotineiramente, emprestava variadas somas em dinheiro a uma baixa taxa de juros para alguns agropecuaristas e comerciantes da cidade, que depois do seu falecimento não procuraram a sua família para honrar os seus compromissos, deixando a sua esposa e filhos passando algumas dificuldades.
Mais tarde, padecendo com graves problemas em sua saúde, procurou assistência médica na cidade de Fortaleza, falecendo aos 79 anos de idade no dia 15 de dezembro de 1973.
Logo após o seu falecimento o seu corpo foi trazido por sua família para cidade de Boa Viagem, onde recebeu as despedidas fúnebres, sendo em seguida sepultado no Cemitério Parque da Saudade, que está localizado na Rua Joaquim Rabêlo e Silva, nº 295, Centro.

Imagem do túmulo da Família Vieira Batista, em 2016.

BIBLIOGRAFIA:

  1. ALVES, Serapião. Serra das Matas. Fortaleza: Tipografia Minerva, 1988.
  2. BRASIL, Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Primeiras Eleições e Acervo Documental do Tribunal Regional Eleitoral/Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Fortaleza, TRE-CE, 2007.
  3. LIMA, Geraldo Oliveira. Gênese da Paróquia de Monsenhor Tabosa. Rio de Janeiro: Marque Saraiva, 1994.
  4. MARTINS, Laís Almeida, et al. Padre Inácio: O precursor do Movimento Solidário em Monsenhor Tabosa. Monsenhor Tabosa: Gráfica VT, 1997.
  5. MARTINS, Laís Almeida. Um século de vida pública na Serra das Matas: ensaio (1900 – 2000). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.
  6. MESQUITA, José Helder de. Monsenhor Tabosa e suas Histórias. Fortaleza: MULTIGRAF, 2000.
  7. NASCIMENTO, Cícero Pinto do. Memórias de Minha Terra. Fortaleza: Encaixe, 2002.
  8. PARÓQUIA DE SANTA QUITÉRIA. Livro de registro de batismos. 1891-1899. Livro A-14. Tombo nº 47. Página 137v.
  9. RODRIGUES DE MESQUITA, Ladislau Vieira Batista. Harpa dos Sonhos. Fortaleza: Impressi, 2008.
  10. SILVA JÚNIOR, Eliel Rafael da. Andarilhos do Sertão: A Chegada e a Instalação do Protestantismo em Boa Viagem. Boa Viagem, CE: Premius, 2010.
  11. ZUPERMAR. Fazenda Cajazeiras dos Caetanos. Disponível em https://www.zupermar.com/BR/Varjota/298435060260830/Fazenda-Cajazeiras-dos-Caetanos. Acesso no dia 1º de junho de 2018.

HOMENAGEM PÓSTUMA:

  1. Em sua memória, na gestão do Prefeito José Vieira Filho – o Mazinho, através da lei nº 459, de 21 de março de 1988, uma das ruas do Bairro Osmar Carneiro, na cidade de Boa Viagem, recebeu a sua nomenclatura;
  2. Em sua memória, no ano 2000, na gestão do Prefeito Dr. Fernando Antônio Vieira Assef, embora ainda sem legislação, ao Centro de Fisioterapia do Município recebeu o seu nome;
  3. Em sua memória, na gestão do Prefeito Dr. Fernando Antônio Vieira Assef, através da lei nº 814, de 18 de novembro de 2002, a Biblioteca Pública Municipal da cidade de Boa Viagem recebeu a sua denominação;
  4. Em sua memória, na gestão do Governador Dr. Cid Ferreira Gomes, por meio da lei nº 15.619, do dia 2 de junho de 2014, uma escola estadual de educação profissional, na cidade de Boa Viagem, recebeu o seu nome.