Mons. José Cândido de Queiroz Lima

José Cândido de Queiroz Lima nasceu no dia 27 de setembro de 1849 na Fazenda São Pedro, próximo da cidade de Beberibe, que está localizada na região Norte do Estado do Ceará, distante 79 quilômetros da cidade de Fortaleza, sendo filho de Antônio Franklin de Queiroz e de Maria Sabina de Queiroz.
Infelizmente, por falta de informações, pouco sabemos sobre os seus pais, os seus irmãos ou sobre a sua infância e muito do que construímos sobre ele em nossa época se faz de forma hipotética.
O que temos de certeza é que, de acordo com o texto produzido pelo Mons. Francisco de Sales Cavalcanti, alguns dias depois do seu nascimento, “recebeu o sacramento do batismo das mãos do Pe. Jerônimo Ferreira de Menezes” e que, pela história da formação do Município de Beberibe, facilmente podemos deduzir que os seus pais não descendiam diretamente dos primeiros colonizadores que chegaram à região e conseguiram terras através da concessão de sesmarias feita por Dom Pedro II, monarca português.
O sobrenome Queiroz Lima é o que temos de melhor e de mais significativo para construirmos a nossa linha de pesquisa e através dele poderemos estabelecer uma ponte que pode nos levar a alguma informação sobre as suas raízes de parentesco:

“A cidade de Beberibe está localizada nas terras das sesmarias concedidas ao Capitão Domingos Ferreira Chaves, Manuel Nogueira Cardoso, Sebastião Dias Freire e João Carvalho Nóbrega pelo Capitão-Mor Tomaz Cabral de Olival em 16 de agosto de 1691. Desses colonizadores quase nada se sabe informar a não ser que as suas terras, povoadas de sítios e fazendas, seriam colonizadas mais tarde por outros adquirentes que neles se estabeleceram. No inicio do século XIX, Baltazar Ferreira do Vale, residente no Riacho Fundo, em Cascavel, e Pedro de Queiroz Lima, morador no sítio Mirador, em Aquiraz, resolveram mudar de domicílio. Baltazar comprou o Sítio Lucas e Pedro de Queiroz Lima comprou o Sítio Bom Jardim. Dessas duas famílias nasceram filhos que se casaram entre si e constituíram um verdadeiro patriarcado. O Sítio Lucas, por oferecer melhores condições de povoamento, deu origem ao que seria mais tarde a cidade de Beberibe. As famílias Queiroz, Ferreira e Facó, numerosas ainda hoje, ligaram-se aos Bessa, Peroba e Martins Dourado.” (BESSA MAIA, 1991: p. 3)

De acordo com o relato de José Nelson Bessa Maia, acreditamos que Pedro de Queiroz Lima, pequeno proprietário que se instalou naquela localidade, tenha sido avô ou um parente bem próximo de nosso biografado.
Imaginamos ainda que, em sua infância e juventude, tenha visto e acompanhado de perto o desenvolvimento e toda a trama política que projetou aquele pequeno e insignificante lugar em um próspero e pujante Município.
A região de Beberibe, bem antes de sua emancipação política, conheceu um pequeno surto de desenvolvimento econômico a partir da implantação de aproximadamente uma centena de engenhos de cana-de-açúcar.
A riqueza tirada dos canaviais era transformada em rapadura, produto que aumentava a capacidade financeira dos moradores da região e fazia com que o nascente Distrito de Beberibe fosse cobiçosamente apelidado pelos habitantes da cidade de Cascavel, como também pelos moradores do Distrito vizinho, Sucatinga, de “Vila Rica”:

“Distrito de paz por Ato de 28-11-1833 da Câmara Municipal de Cascavel. Nesse tempo o lugarejo tinha o nome de Lucas. Por não possuir casa de oração o Distrito foi supresso em 07-07-1835, ficando o território compreendido no de Sucatinga, do qual foi desmembrado pela Lei nº 1.795, de 03-01-1879, que criou o Distrito policial de Beberibe.” (BRAGA, 1967: p. 80)

Alguns anos depois, graças aos muitos períodos de estiagem e chuvas irregulares a escassez de matéria prima levou a nascente indústria canavieira à decadência. Com a falência da indústria da rapadura se abateu uma nova realidade sobre o Distrito e logo a qualificação de “Vila Rica” deixou de existir.
Independentemente da oscilação econômica, como sabemos, Beberibe sempre foi uma região rica em belezas naturais e não é difícil de imaginar a infância de José Cândido brincando nas areias da praia ou entre as falésias existentes em seu litoral.
No dia 11 de março de 1874, prestes a completar 25 anos de idade, já um pouco velho para os padrões de sua época, e almejando o sacerdócio, ingressou nas primeiras turmas do seminário que era dirigido pelo rigorosíssimo Pe. Pierre-Auguste Chevalier e sofridamente mantido pela diocese cearense:

“Em uma folha de papel, encardido pelo tempo e escrito pelo punho do Pe. Chevalier, podemos admirar o primeiro projeto de estudos apresentado por elle ao Sr. Bispo, D. Luís Antônio dos Santos e approvado por S. Excia. Se quanto aos Officios Divinos e ao canto era de crer que se não desse desde o início todo o impulso, a ponto de poder-se cantar Missa Solemne em todos os dias festivos de 1ª classe, por mais subida razão era de suppôr, que no começo se resumisse o número de matérias de ensino, já por serem poucos os professores, já porque certas aulas não tinham mais que trez a cinco alumnos. O alto tino porém do novo Superior, quiz e soube, desde logo, introduzir todo o tirocínio indicado pelo Directorio dos Seminários confiados a Missão.”

Como percebemos, de acordo com as informações do Álbum Histórico do Seminário Episcopal do Ceará, edição em comemoração as bodas de ouro de sua fundação, exemplar de 1914, página 30, essa casa de educação religiosa “nasceu do zelo e da necessidade urgente de formar um clero perfeitamente qualificado para atender as necessidades da demanda do rebanho católico cearense”.

Imagem do Seminário Episcopal do Ceará, na cidade de Fortaleza.

O Seminário Episcopal do Ceará, atualmente situado no centro histórico da cidade de Fortaleza, foi fundado no dia 10 de outubro de 1864 e tinha por principal objetivo a formação eclesiástica de novos párocos e religiosos das várias ordens e congregações existentes na diocese:

“A missão de Dom Luiz – incluía a fundação de um seminário na nova diocese – fazia parte do esforço da cúpula da Igreja brasileira para disciplinar seu rebanho. Pelo que ficara determinado desde o Concílio de Trento – a grande reunião de bispos convocada pelo Papa Paulo III, ainda no século XVI, como resposta à Reforma Protestante –, os católicos deveriam manter total obediência às ordens e orientações emanadas de Roma. A Igreja do mundo inteiro deveria seguir à risca o que determinava um único centro de decisão, situado por trás dos Alpes europeus – de onde se adotou o nome do movimento, ultramontanismo, do latim ultramontanus, ‘para além das montanhas’.” (NETO, 2009: p. 34)

Ao contrário do que muitos pensam, sob a responsabilidade dos lazaristas, essa casa de ensino não nasceu grande e pomposa, ela passou por várias privações financeiras e contribuiu vertiginosamente para a formação de importantes personagens da história política, econômica e eclesiástica de nosso Estado.
O seminário tornou-se um importante centro de formação do clero no chamado processo de romanização da Igreja Católica Apostólica Romana no Brasil e anos mais tarde passou a ser denominado de Seminário da Provincial da Prainha. Dentro desse seminário o estudante José Cândido mantinha uma rotina marcada pelo cultivo da piedade, da vigilância e da disciplina.
O dia começava cedo, antes do nascer do sol, às 5h15min deveria estar de pé, com os utensílios de cama devidamente arrumados, já cumprida à obrigação das orações e meditações matinais. Após o café da manhã os dormitórios permaneciam trancados durante o resto do dia, só sendo permitida a presença ali em casos de extrema necessidade e, ainda assim, com a devida autorização e supervisão da direção da casa.
Juntamente com os demais colegas, às 5h30min, assistiam à missa, de onde saíam direto para a sala de estudos ou, se fosse dia marcado para tal, para a sala de banhos, aberta por curtos períodos, sendo rigorosamente fechada depois do horário determinado.
Às 7h30mim iam para o café da manhã, isso nos dias em que o jejum não era obrigatório. O resto da manhã era dividido entre as aulas e momentos de estudo individual, nos quais, ordenava o regulamento, deveria ser observado o mais profundo e respeitoso silêncio.
O almoço era ao meio-dia, depois rezava-se o terço e voltava-se para à sala de aula, onde ao lado de matérias como filosofia, retórica, teologia dogmática, humanística e direito canônico recebia lições de liturgia e de canto gregoriano. Em seguida, permanecia em estudos intensivos e obrigatórios até às 18h, quando os seminaristas celebravam a hora do ângelus. No início da noite seguiam-se outras duas exaustivas horas de estudos e leituras compulsórias. Revistas, jornais e livros não religiosos eram expressamente proibidos, cartas enviadas ou recebidas, antes de serem entregues aos respectivos destinatários por parentes, eram lidas atentamente com os olhos de lince do reitor.
Nas horas vagas o seminarista José Cândido e os outros alunos podiam folhear livremente apenas a Bíblia Sagrada, o Breviário Romano e alguns outros selecionados e poucos títulos disponíveis na biblioteca.
O regulamento previa ainda que o jantar devesse ser servido às 20h, após o qual era obrigatória a oração noturna. Às 21h15min, pontualmente, todos deveriam estar recolhidos ao silêncio e à escuridão do dormitório, com exceção daqueles que obtivessem autorização para estudar a luz de vela por mais quarenta e cinco minutos.
Para o seminarista José Cândido e os outros colegas a privacidade e os minutos de solidão eram totalmente vetados, possíveis conversas nos quartos ou sob as arcadas dos longos corredores do seminário eram reprimidas com austeridade.
Determinava o regulamento que “nos recreios se evitarão os gritos desentoados e os brinquedos ofensivos e grosseiros”, muito riso era sinal de pouco siso e as saídas não autorizadas eram punidas de modo exemplar, a imediata expulsão.
De modo estratégico o imenso casarão, um dos poucos com dois pavimentos na capital cearense, ficava situado distante do então Centro da cidade. O isolamento físico do prédio garantia a total imersão no cumprimento das obrigações religiosas.
O possível contato com os funcionários do seminário era duramente repreendido. Nos sábados à tarde havia um intermediário nomeado especificamente pela direção da casa para receber encomendas vindas de fora, inclusive a roupa limpa e os utensílios de higiene pessoal.
Uma das raras ocasiões de contato com o mundo exterior se dava nas missas de domingo, que eram realizadas na capela e que comumente eram frequentadas por pescadores e peixeiros que viviam na praia ali perto. Internamente os alunos do curso preparatório eram separados dos veteranos, que frequentavam o curso teológico e estavam mais próximos da ordenação.
Como medida adicional de controle o primeiro artigo das regras internas determinava ainda a proibição do cultivo de “amizades particulares” entre os seminaristas, pois não se estava ali para se fazer amigos ou camaradas, mas apenas para aprender a servir a Deus.
Padre Pierre-Auguste Chevalier, reitor do seminário, presidia o Conselho de Ordenação, que ajuizava o desempenho individual e a disciplina dos jovens seminaristas, estabelecendo quais entre eles estavam suficientemente aptos a receber as devidas ordens eclesiásticas e, assim, a se tornarem futuros párocos:

“Era Chevalier também que, pessoalmente, com a estrepitosa sineta, convocava padres e seminaristas para as horas de oração. Substituía professores ausentes, confessava alunos, rezava missas, fiscalizava correspondências, vigiava corredores, esquadrinhava dormitórios, perscrutava salas de banho e estudos.” (NETO, 2009: p. 41)

Em 1880, contando com o total apoio do reitor, antes mesmo de concluir o curso de Teologia, devido ao seu bom desempenho como aluno, foi designado professor da cátedra de línguas do seminário:

“Recebeu a 1ª tonsura a 30 de novembro de 1877, as quatro ordens menores a 30 de novembro de 1878, o subdiaconato a 23 de novembro de 1879, o diaconato 30 de novembro de 1879 e o presbiterato a 7 de novembro de 1880, das mãos de S. Excia. Revma. O Sr. Dom Luís Antônio dos Santos.” (CAVALCANTI, 1968: p. 74)

No dia 14 de novembro de 1880, concluído os estudos e após o recebimento das ordens sacerdotais, seguindo o calendário litúrgico, cantou a 1ª missa solene na festa do Patrocínio de Nossa Senhora e foi imediatamente designado como pároco da Capela de São Francisco de Assis, que era localizada na Fazenda Califórnia, na época uma importante localidade da zona rural do Município de Quixadá.
A designação do novo padre para essa localidade especifica nos gera uma grande curiosidade ou, talvez quem sabe, seja apenas uma grande coincidência. A Fazenda Califórnia, pertencente a Miguel Francisco de Queiroz, era uma propriedade bastante desenvolvida para os padrões sertanejos do final do século XIX.
Em volta da sede da propriedade surgiu um pequeno povoado que era formado em sua grande maioria por escravos e que por muitos anos foi a mais importante estância rural existente em Quixadá:

“Fundada por Miguel Francisco de Queiroz, um dos ‘Irmãos Queiroz’, senhor de muitas terras, gado e escravos, e também de famosa fortuna em ouro amoedado e em barras, cujo destino, ainda hoje ignorado, tem sido objeto de muitas lendas e conjecturas. Foi por muito tempo a fazenda mais importante do Município, no qual levava o proprietário vida patriarcal, assistido por um capelão e servido por escravaria privilegiada pelo trato magnânimo que lhe era dispensado, em retribuição ao inestimável proveito econômico usufruído do seu trabalho. Em breve a fazenda tomara feição de povoado, com casaria de escravos e agregados e com capela dedicada a São Francisco de Assis, que passou a ser chamado São Francisco da Califórnia. Foi, no Município, a primeira propriedade rural a banir o trabalho servil, tendo alforriado numeroso contingente de cativos alguns anos antes da libertação total no Ceará. Em 1882 foi transferida por doação ao Dr. Arcelino de Queiroz Lima, sobrinho do proprietário.” (BRAGA, 1967: p. 195)

O primeiro proprietário da Fazenda Califórnia seria um tio-avô do Padre José Cândido? Havia alguma ligação de parentesco entre eles? Infelizmente não possuímos informações precisas que possam apoiar ou condenar essa coincidente particularidade.
No dia 27 de fevereiro de 1882, já acostumado com as dificuldades do Sertão, recebeu a determinação de seu bispo, através de ofício enviado pelo Monsenhor Hipólito Gomes Brasil, vigário geral do bispado, para assumir uma freguesia relativamente nova e que possuía uma vasta área territorial, a Paróquia de Nossa Senhora da Boa Viagem:

“A nossa capela primitiva foi elevada à categoria de Matriz e desmembrada da freguesia de Santo Antônio do Quixeramobim pela lei provincial nº 1.025, de 18 de novembro de 1862. Tem como padroeira Nossa Senhora da Boa Viagem, que é homenageada, todos os anos, de 23 de dezembro ao dia 1º de janeiro.” (NASCIMENTO, 2002: p. 81)

Nessa ocasião assumiu a paróquia no lugar do Pe. Francisco Ignácio da Costa Mendes, filho da terra que desde o dia 13 de fevereiro de 1878 havia se retirado da freguesia por graves problemas de saúde, deixando essa comunidade aos cuidados do vigário de Pedra Branca, Município vizinho:

“Ao ser dispensado, definitivamente, o Pe. Francisco Ignácio, a freguesia permaneceu sem vigário até 1882, ficando, entretanto, sob os encargos dos vigários de Quixeramobim e de Pedra Branca.” (NASCIMENTO, 2002: p. 82)

O Município de Boa Viagem, próspero cotonicultor, encravado no Sertão Central cearense, tinha conseguido há poucos anos a sua emancipação política e carecia urgentemente de um pároco disposto a percorrer a sua grande extensão territorial:

“O nosso Município foi instituído pela lei nº 1.128, de 21 de novembro de 1864, emancipando-se de Quixeramobim, com 1.279 pessoas na sede.” (NASCIMENTO, 2002: p. 63)

A economia do Município, em sua quase totalidade, girava em torno da agricultura e da pecuária. A cidade de Boa Viagem, local de maior concentração urbana, possuía um pequeno número de pessoas e um comércio limitadíssimo, que fora bastante prejudicado pelas secas que castigavam o nosso solo.
Registros deixados por Tomás Pompeu de Souza Brasil, na obra “Ensaios Estatísticos da Província do Ceará”, nos dão conta que em 1900 todo o Município de Boa Viagem contava com uma população de 6900 habitantes e que, anos antes, em 1863, a sede possuía apenas 80 casas de alvenaria.

Imagem da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, em 1936.

Imagem da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem, em 1936.

Quando o Padre José Cândido esteve à frente de nossa paróquia pela primeira vez o número de pessoas em nossa região havia diminuído significativamente, os prolongados anos de secas, a fome e as doenças fizeram com que muitos boa-viagenses partissem para outras regiões do país em busca de sobrevivência:

“A seca de 1877 a 1879 representam o cume da desolação e dos sofrimentos da população cearense, reinado da varíola sob todas as formas e com intensidade nunca vista em país algum do globo, havendo o obituário de Fortaleza em 1878 se elevado a 57.780 mortes, 24.989 por conta de varíola. Custou ao Ceará à seca de 1877-79 a ruína de toda fortuna particular, o desaparecimento total da indústria criadora. 180.000 mortos, cabendo 67.267 a Fortaleza e 125.000 expatriados.” (DA FROTA, 1974: p. 418)

O local predileto entre os boa-viagenses que fugiam da seca foi à região Norte do país, especialmente para o Pará, o Amazonas e o Acre. A emigração maciça, muitas vezes financiadas pelo Governo da Província, levou os nossos irmãos aos seringais no intuito de extrair o precioso látex que dava origem a borracha:

“Os recursos enviados eram diminutos, insuficientes e ainda desviados. O governo estimulava a ida de sertanejos para os cafezais do Centro-Sul ou, principalmente, para a Amazônia. 60 mil cearenses foram explorar látex nos seringais do Norte. Aliás, o Ceará foi à Província que mais contribuiu com a mão-de-obra para o ciclo da borracha. Rodolfo Teófilo calcula que mais de 300 mil cearenses foram para a Amazônia entre 1878 e 1900, fugindo da miséria em busca de fortuna; pouquíssimos a conheceram.” (FARIAS, 1997: p. 111)

A Grande Seca, e os vários períodos de estiagem, impulsionou o surgimento da indústria da seca e a criação de uma tradição migratória da Província. Entre 1869 e 1900 mais de 300 mil cearenses abandonaram a sua terra, 85% deles indo para o Amazonas:

“Vale lembrar que foi na seca de 1877/1879 que nasceu a chamada ‘indústria da seca’, em que a população pobre e livre tornou-se essencial para justificar o envio dos recursos públicos, que em grande monta era abocanhada pelos grandes proprietários. Para os proprietários locais, as secas transformaram-se num instrumento privilegiado para carrear recursos públicos para à Província, que revertiam-se em benefício privado dos grandes proprietários e grandes comerciantes.” (ARARIPE, 2002: p. 13)

Nessa época as misérias produzidas em nossa região por conta dos períodos prolongados de estiagem produziram outros grandes inimigos para a nossa população, a fome e por consequência as várias doenças:

“O Cel. João Paulino, em sua autobiografia, fala de uma febre e do beribéri que atacaram a população de Quixeramobim e de Boa Viagem, durante a seca de 1877 a 1879, o que ocasionou a ida de muitos para a Serra do Baturité, sobretudo para Guaramiranga.” (SIMÃO, 1996: p. 263)

Fica bastante fácil de imaginar o aspecto de desolação e desespero da população enxergada pelos olhos do Padre José Cândido. Foram muitas as viagens ao cemitério no intuito de levar o conforto às famílias que perdiam os seus entes queridos e os sermões que não deixavam perder a esperança no coração de suas ovelhas. Outro grande fator que favoreceu a migração de nossa população foi à construção do Açude do Cedro, no Município de Quixadá, que só ficou pronto em 1906:

“As obras do Açude do Cedro exigiram um grande número de trabalhadores, pois naquela época em que a tecnologia não era avançada, a maior parte dos serviços era braçal. Os braços necessários para essa grande empreitada foram retirados do seio do Sertão em meio às populações necessitadas, castigadas por uma terra seca e madrasta.” (CRUZ, 2006: p. 67)

No dia 1º de julho de 1883, conforme matéria do periódico o Libertador, ano 3, nº 162, edição do dia 28 de julho de 1883, envolvido com a causa abolicionista, foi eleito presidente da Sociedade Libertadora de Boa Viagem, uma entidade filantrópica que congregou àqueles que queriam por fim a escravidão e representou o movimento abolicionista em nosso Município:

“Era impossível que o Município de Boa Viagem continuasse por mais tempo estacionário, sem receber um impulso do magno e generoso movimento libertador que se desenvolve, estendendo-se por todos os ângulos da Província. Omnia tempus habent. Era pois chegada também a vez de Boa Viagem tomar um lugar, embora dos últimos, no grande festim da liberdade. No dia 1º de julho, reunidos no salão da municipalidade, diversos cavalheiros dos mais prestantes da localidade, a convite do revmo. vigário da freguesia, e presente grande número de senhoras, instalou-se uma sociedade denominada Libertadora de Boa Viagem, cujo fim será promover, por todos os meios legítimos, a libertação do Município… O presidente declarou instalada a sociedade, apresentando 17 cartas de liberdade, todas oferecidas espontaneamente, dos quais 7 foram oferecidas pelo Capitão Antônio Sabino de Araújo, sendo declarados libertos os seus últimos escravos: Maria, Maria, Magdalena, Anna e Francisca; 2 por parte de sua digna mãe, D. Maria Sabina da Conceição, concedendo liberdade aos seus dois últimos escravos: João e Luíza; e 1 por parte de sua irmã, D. Maria de Jesus Araújo, a sua única escrava, Raymunda; 3 oferecidos pelo prestante cidadão Joaquim Cavalcante Bezerra, libertando as suas escravas: Benedicta, Galdina e Agueda; 2 pelo Capitão Vicente Alves da Costa, concedendo liberdade aos seus dois escravos: Caetano e Nicácio; 1 pelo cidadão José Rabêlo e Silva, libertando a sua escrava Maria; 1 pela digna professora pública dessa vila, D. Joaquina Beleza de Macêdo Nogueira, libertando a sua única escrava,  Joana; 1 oferecido pelo cidadão João Lobo dos Santos, dando liberdade a sua escrava Alexandrina e finalmente 1 oferecido pelo cidadão Manoel Mendes Machado. São poucos os escravos que restam no Município, talvez não excedam a 40. Mas a sociedade não conta com bastantes recursos para acelerar, como desejara, a sua completa extinção. Entretanto, convencidos como já devem estar os senhores de que improfícua será a resistência que por ventura poderão opor, serão levados a libertar voluntariamente os poucos que ainda restam. E prazam a Deus que se realizem as aspirações do digno presidente da Libertadora de Boa Viagem, isto é, que brevemente possamos dizer por nossa vez a Província: não há mais senhores e nem escravos no Município de Boa Viagem.”

Apesar dos inúmeros problemas não demorou muito para que o novo pároco gostasse de sua nova freguesia e aqui permanecesse até ser exonerado no dia 14 de janeiro de 1884, tendo antes empossado o seu sucessor, o Pe. Raimundo Teles de Sousa.
Nessa época, alguns meses antes antes disso, no dia 2 de outubro de 1883, bem longe do Município de Boa Viagem, após intensa discussão na Assembleia Legislativa Provincial, foi sancionada a lei nº 2.039 pelo Presidente Sátiro de Oliveira Dias, que elevava a então vila de Cascavel à categoria de cidade, sede do Município de mesmo nome.
A emancipação política foi resultado do progresso material ocorrido naquela vila durante a segunda metade do século XIX e da influência do Padre Francisco Ribeiro Bessa, um importante político daquela região.
Em troca dessa ajuda os políticos ligados ao Município de Cascavel aceitaram aprovar também a lei nº 2.051, de 24 de novembro de 1883, que criou ao mesmo tempo o Distrito e a freguesia de Beberibe no Município de Cascavel, compreendendo a povoação de Beberibe, o Distrito de Sucatinga e parte do Distrito de Paripueira, pertencente ao Município de Aracati.

Imagem da Igreja Matriz da Sagrada Família, na cidade de Beberibe.

Estava assim criada à freguesia de Beberibe, conforme planejara o Padre Bessa, todavia o bispo, Dom Luiz Antônio dos Santos, rejeitou a sua nomeação para essa nova paróquia.
Para essa função foi designado o Padre José Cândido de Queiroz Lima, que instalou a Paróquia da Sagrada Família no dia 8 de março de 1884:

“Contrariado, em 1º de abril de 1884, o Padre Bessa pediu afastamento da função de coadjutor em Cascavel. Com a posse do novo bispo diocesano do Ceará, Dom Joaquim José Vieira, aos 24 de fevereiro de 1884, em substituição a Dom Luiz Antônio dos Santos, que o repreendera no episódio do abaixo-assinado em prol da freguesia de Beberibe, o Padre Bessa não apenas recebeu a dignidade eclesiástica de cônego, membro do cabido diocesano, como a designação para assumir a Paróquia de Beberibe através do Ato de 21 de julho de 1885, em substituição do Padre José Cândido de Queiroz Lima. Nessa posição ele permaneceria até o dia 13 de abril de 1888, ocasião em que pediu afastamento por razões de saúde. Pelos relatos familiares o velho padre ‘estava com depressão, obcecado por uma paranoia de perseguição’, talvez reflexo da longa militância política que ele exercera e das inimizades que certamente acumulara em suas lutas pela emancipação de Municípios e a criação de paróquias.” (BESSA MAIA, 1991: p. 66)

O Padre José Cândido, como bem nos informou José Nelson Bessa Maia, permaneceu à frente da freguesia de Beberibe até o dia 21 de julho de 1885, quando foi substituído pelo Cônego Francisco Ribeiro Bessa.
Regressando para cidade de Fortaleza, voltou a lecionar no Seminário Episcopal até que, no dia 1º de julho de 1887, foi nomeado vigário da Paróquia de Nossa Senhora da Glória, na freguesia de Maria Pereira, atual Mombaça, tomando posse trinta dias depois dessa nomeação.

Igreja Matriz de Nossa Senhora da Glória, em Mombaça.

Segundo informações de Tomás Pompeu de Souza Brasil, em seu “Ensaio Estatístico da Província do Ceará”, percebemos que Maria Pereira, na época, além de estar na mesma região, possuía várias semelhanças com o Município de Boa Viagem:

“A vila é um pequeno povoado desvantajosamente situado em uma baixa, à margem do Rio Banabuiú, com umas 80 casas e uma pequena igreja, que serve de matriz.” (S.N.T)

O pequeno Município atravessava os mesmos desafios e problemas de sua antiga freguesia e logo o novo pároco não demorou a se acostumar aos novos desafios.
No dia 15 de novembro de 1899 a política brasileira atravessava uma forte onda de ebulição, o Imperador D. Pedro II foi deposto após a implantação da República e as mudanças, que nem sempre foram bem vindas, dentro de pouco tempo começam a aparecer na zona rural do Ceará.
Em 9 de junho de 1892, através da lei estadual nº 69, em homenagem a um dos líderes civis do movimento republicano que havia falecido meses antes, o Município de Maria Pereira passou a se chamar de Benjamin Constant.
Diante desse novo fato o Padre José Cândido mobilizou os seus paroquianos no intuito de boicotarem essa decisão tomada pelo governo republicano do Estado. Os habitantes do Município, propositalmente, quando expediam as suas correspondências, como também em seus documentos, utilizavam o nome de Maria Pereira:

“Registra a história que o pároco da cidade, então Padre José Cândido de Queiroz Lima, dizendo-se austero, não aceitou que o Município que era sua paróquia recebesse o nome de um maçom.” (S.N.T)

Em 1895, diante da possibilidade de saída do Pe. José Antônio Cavalcante, a comunidade católica do Município de Boa Viagem se mobilizou na composição de um abaixo-assinado que tinha por objetivo convidar o Padre José Cândido de Queiroz Lima a reassumir o seu paroquiato na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem.

Imagem do Mons. José Cândido de Queiroz Lima, o primeiro à direita.

Diante desse episódio a comunidade de Maria Pereira também se mobilizou na composição de um abaixo-assinado, que prontamente foi enviado ao bispo do Estado do Ceará, Dom Joaquim José Vieira, e solicitava a permanecia de seu pároco no comando da freguesia e a anulação da lei que alterava o nome do Município.
O documento, datado de 21 de dezembro de 1895, recebeu 187 assinaturas. Curiosamente todas essas assinaturas foram feitas por pessoas do sexo masculino, o que reflete o forte traço da cultura patriarcal ainda existente naquela comunidade:

“Ex.mo e Revdmo. Senhor D. Joaquim José Vieira, M. D. bispo do Ceará. Os abaixo assignados, residentes na freguesia de N. S. da Gloria de Maria Pereira, vêm humilde e respeitosamente representar à V. Excia. Revdma. o seguinte: Constando-nos que os habitantes da freguesia de Boa Viagem convidaram ultimamente o nosso presado e digno vigário, Pe. José Cândido de Queiroz Lima, a acceitar o cargo de parocho daquella freguesia  visto como o actual vigário dalli declarara não poder continuar na sua missão por graves incommodos de saúde, e que o nosso referido vigário respondera àquelle convite dizendo que nada decidiria; por isso que estava sempre prompto a submetter-se à vontade de V. Ex.cia Revdma.; e como os promotores da ideia do convite se hão de naturalmente dirigir a V. Excia., afim de alcançarem o almejado fim; por isso nos apressamos a vir à presença de V. Excia. para imputarmos a graça de conservar em nossa freguezia o nosso digno e distincto vigário. Sacerdote talentoso e honestíssimo, apostolo zeloso e infatigável da religião de Jesus Christo, o Vigário José Cândido tem sabido impôr-se à estima e consideração de seus parochianos pela correcção de sua conducta, pelo cabal desempenho de seus espinhosissimos deveres parochiaes e pela inquebrantabilidade de caracter de verdadeiro homem de bem. A religião catholica tem aqui no Reverendo Vigário José Cândido um ministro culto e amigo da verdade, sempre prompto á prestar aos que o procuram (mesmo aos que não residem em sua freguesia) todos os serviços espirituaes inherentes ao seu elevado cargo. Enfim, o Reverendo Vigário José Cândido muito tem contribuído pela sua palavra eloquente e persuasiva para que a nossa sancta religião seja nesta freguesia o que ella deve ser em toda a parte do mundo christão: na lei do amor, da humildade e da verdadeira confraternização humana. Nestas condições, Exmo. e Revdmo. Senr., os habitantes desta freguesia, de que somos legítimos interpretes, faltariam ao mais sagrado dos deveres, – O da gratidão e do reconhecimento, se não viessem unidos pela mais intima solidariedade solicitar de V. Excia. Revdma. a conservação do nosso digno vigário, cujos relevantes serviços à fé catholica e ao povo são notoriamente conhecidos e estimados. Confiando pois que a nossa justa pretensão será benevolamente acolhida por V. Excia. Revdma., desde já vos antecipamos o nosso eterno agradecimento.” (S.N.T)

O documento, em parte, logo obteve o resultado, o Padre José Cândido atendeu a reivindicação de seus paroquianos até que, no dia 31 de janeiro de 1898, depois de dez anos a frente da paróquia, por conta de alguns desgostos, resolveu pedir exoneração do cargo, deixando em seu lugar o Padre Pedro Leão Pais de Andrade:

“Dom Joaquim José Vieira indeferiu-lhe o pedido, propondo-lhe a escolha de qualquer freguesia da Diocese. O Pe. José Cândido preferiu Boa Viagem, sendo nomeado vigário desta freguesia da qual tomou pose no dia 26 de março do mesmo ano.” (CAVALCANTI, 1968: p. 75)

Até hoje não sabemos a gravidade do que motivou esse tão grande desgosto ao Padre José Cândido que o levou a pedir o afastamento da Paróquia de Nossa Senhora da Glória. Infelizmente não temos conhecimento do fato, mas temos uma ideia dessa insatisfação gerada no pároco por meio de seu testemunho:

“A saída do Padre José Cândido de Queiroz Lima foi ocasionada por um grande aborrecimento que ele nunca quis revelar porque em 1925, indo à Maria Pereira, por determinação do então arcebispo, Dom Manoel da Silva Gomes (1874-1950), presidir uma reunião de vigários da zona central do Estado, no primeiro sermão que pronunciou, começou dizendo mais ou menos estas palavras: ‘Há quase trinta anos saí desta terra por motivos que muito me aborreceram e não (sic) tinha a intenção de jamais pôr aqui os pés, mas o homem põe e Deus dispõe, vim cumprir uma ordem do meu superior’.” (BENEVIDES, 1980: p. 79)

Na cidade de Boa Viagem, após as formalidades de posse que são de praxe, Padre José Cândido deu inicio a segunda fase de seu extenso pastorado nessa freguesia. Quatorze anos depois de ter entregue essa paróquia as coisa pareciam não terem mudado muito, o Município atravessava as mesmas crises de fome, seca e miséria.
A penúria era tanta que o presidente da Câmara Municipal de Vereadores, Aristóteles José da Silva Lobo, juntamente com os outros vereadores, resolveram redigir uma carta ao presidente do Estado, Dr. Pedro Augusto Borges, no intuito de pedir alguma ajuda do Governo Estadual:

“Paço da Câmara Municipal da Vila de Boa Viagem em 2 de outubro de 1900. Exmo. Sr. O acrisolado espírito de patriotismo de V.Exc. o amor as instituições republicanas e o extremo interesse pela prosperidade desse Estado, mormente na crise calamitosa porque ele passa, com uma secca exterminadora, acompanhada de assombroso cortejo da peste…. para satisfazer um restricto e sagrado dever, não só para scientificar a V.Exc. o estado de miséria a que está reduzido a este Município…. Este Município, Exmo. Sr. Não tendo tido ao menos uma chuva regular, ficou todo ele reduzido a miséria pela falta de pastagem e água e nestas circunstancias a população esgotada de meios para sua subsistência em conseqüência da seca do anno de 1898 e extraordinárias inundações feitas pelo inverno do anno próximo passado, grande parte dela emigrou…. que vai extinguindo o gado vacum e cavallar, a peste assolando em diversos Municípios e a população inanida morrendo de fome…” (MOTA, 1999: p. 90)

No dia 2 de novembro de 1901, dia de finados, juntamente com toda a comunidade, após anos de espera, organizou uma cerimônia de celebração pela a ampliação do Cemitério de Nossa Senhora da Conceição, atual Cemitério Parque da Saudade.
Esse cemitério foi sofridamente conquistado pelo Município graças ao emprenho de vários padres que estiveram à frente de nossa paróquia, que durante anos solicitaram ao Governo Estadual fundos para a sua conclusão.
Para termos uma ideia dessa grandiosa conquista para o Município basta acompanhar o que escreveu o Dr. Leonardo Mota sobre o movimento de correspondências da paróquia com o Governo do Estado, que atualmente estão no acervo do Arquivo Público do Estado do Ceará:

“Ofício de 15 de novembro de 1860 – O Capelão, Pe. Antônio Correia de Sá, se dirige ao Presidente do Estado, Antônio Marcelino Nunes Gonçalves, a concessão de 500$00, para serem investidas às obras do cemitério local.” (MOTA, APEC: p. 215)

No dia 19 de julho de 1903 deu início aos trabalhos da Conferência Vicentina de Nossa Senhora da Boa Viagem, movimento formado em sua maioria por leigos e que se dedicou durante anos a recolher donativos e a realizar ações de combate a fome e a miséria em nossa região.
Antes disso, em 20 de junho de 1899, por sua conta, adquiriu uma ampla casa próxima da igreja matriz onde atendia, que serviria como casa paroquial e posteriormente fez doação à paróquia.
Mesmo em idade avançada, a sua esfera de atuação se estendeu também ao Distrito de Telha, atual cidade de Monsenhor Tabosa, onde deixou profundas marcas de seu sacerdócio até o fim de 1927, quando assumiu o Pe. Godofredo Cândido dos Santos:

“Quem atendia à Capela de São Sebastião, em Monsenhor Tabosa, era o vigário de Boa Viagem, Pe. José Cândido de Queiroz Lima, que, periodicamente, empreendia a difícil viagem de dezenas de léguas, à cavalo, de sua sede ao alto da serra, quase sempre acompanhado pelo seu sacristão, José de Queiroz Sampaio. Após muitos anos de dedicação, Mons. José Cândido, já idoso, cuidou de solicitar ao bispo o desligamento dessa obrigação, com a criação da nova freguesia, para o que estabeleceu os limites, mobilizou os fiéis para organizar o patrimônio, preparou a capela para ser matriz, deu posse ao novo vigário e conseguiu casa para sua residência. Todavia, sucedeu que o Pe. Abreu fosse, logo, atacado por doença incapacitante, pelo que nem chegou a fazer qualquer registro nos livros da nova matriz, tendo o Mons. José Cândido que voltar a curá-la, por muito mais tempo.” (BARROSO, 2005: p. 144)

Apesar dessas dificuldades a vida ministerial não era em tudo ingrata, havia um forte reconhecimento dos seus superiores em perceber a sua dedicação e o seu sacrifício por uma comunidade pobre em um Sertão tão longínquo.
Em 28 de maio de 1915, com sessenta e seis anos de idade e trinta e cinco anos de ministério, em reconhecimento aos seus relevantes serviços prestados à confissão católica, foi indicado a Santa Sé através da Nunciatura Apostólica pelo Bispo Dom Manuel da Silva Gomes e agraciado com o título de “Monsenhor Camareiro de sua Santidade”, o Papa Bento XV.
A sua nova titulação canônica não lhe conferia maior autoridade do que a de qualquer outro padre, mas lhe daria o privilégio de servir ao papa em cerimônias oficiais, caso o sumo pontífice romano viesse em visita a nossa região.
No dia 29 de outubro de 1919 investiu esforços na obra das Vocações Sacerdotais e garimpou nomes de referência para a formação do futuro clero cearense.
Em 30 de setembro de 1926 teve o grato privilégio de organizar a recepção ao Arcebispo Dom Manuel da Silva Gomes, que visitava as paróquias do Sertão e vinha do Município de Canindé.
Durante anos exerceu o posto de arcipreste da Diocese, tendo como principais funções animar e coordenar as atividades pastorais desenvolvidas nas paróquias, acompanhar os clérigos em suas vidas particulares e no exercício de suas funções, velar pela correta expressão litúrgica e pela boa administração dos bens eclesiásticos:

“Fora este o proeminente papel do Monsenhor José Cândido para a criação e o reconhecimento da capela de Monsenhor Tabosa, em igreja matriz, deve-se ainda computar o longo período de 21 anos em que esse sacerdote respondeu, pela ação de vigário, na Serra das Matas. Foram 21 anos, vindo a cavalo, da então distante Boa Viagem… No verão, viajava sob a inclemência de um sol causticante e abrasador, via de regra, viajando por Livramento, Espírito Santo, para em seguida, galgar as ilhargas da Serra das Matas, até atingir o topo.” (OLIVEIRA LIMA, 1994: p. 55)

Em 1930, já avançado em dias, recebeu da comunidade uma pomposa festa celebrando as bodas de seu ministério:

“Em 7 de novembro de 1930, o Monsenhor José Cândido celebrou as bodas de ouro do seu sacerdócio recebendo, por essa feliz ocorrência, da parte do povo e, principalmente, dos seus colegas vizinhos, carinhosa manifestação. O Cônego Aureliano Mota, pronunciou magnífica e eloquente oração gratulatória traduzindo ao povo a alta significação daquela festividade.” (CAVALCANTI, 1968: p. 75)

Em setembro de 1931, a pedido seu, foi substituído das funções de pároco da Matriz de Nossa Senhora de Boa Viagem, dando posse ao seu sucessor, Pe. Francisco José de Oliveira, futuro Monsenhor Oliveira.

Imagem do busto em homenagem ao Mons. José Cândido de Queiroz Lima, em 2010.

Logo depois mudou-se para outra casa de sua propriedade na sede do Município e em seguida, no dia 6 de janeiro de 1932, resolveu retirar-se da cidade para a Fazenda Bom Desejo, pertencente ao seu querido amigo José Leal de Oliveira.
Em seu oratório particular, nessa fazenda, celebrava aos domingos e em dias santos até que, na noite de 12 de outubro de 1934, aos 85 anos de idade, bastante enfermo, diagnosticado como portador de câncer, foi conduzido para a sede do Município a fim de receber tratamento médico através de um de seus melhores amigos, o farmacêutico Antenor Gomes de Barros Leal. O martírio e o sofrimento de seus últimos dias foram chocantes, onde deu um forte testemunho de fé e conselhos aos que lhe rodeavam:

“Oh!… meu Deus, daí-me uma dor tão profunda dos meus pecados para que eu os chore até a hora de minha morte.” (BARROS LEAL, 1983: p. 137)

Carinhosamente o Monsenhor José Cândido era chamado pela comunidade de “Padim Vigário”, tendo em vista que mais de três quartos da população fora batizada por ele:

“Enquanto Boa Viagem existir, o nome do Monsenhor José Cândido será pronunciado com respeito e saudade. Aqui viveu, ensinou e morreu.” (BARROS LEAL, 1983: p. 137)

Recebeu a extrema unção e o santo viático das mãos dos padres José Terceiro de Sousa e João Epifânio de Freitas Guimarães, vindo a falecer às 12h30min do dia 27 de novembro de 1934, na cidade de Boa Viagem.
Por fim o seu corpo, depois de várias homenagens recebidas, foi sepultado no piso da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Boa Viagem até que, em 2012, depois de uma reforma na igreja, os seus restos mortais foram retirados do piso e finalmente colocados em um lóculo existente na primeira coluna do lado direito da nave do templo.

Imagem do lóculo onde repousam os restos mortais do Mons. José Cândido de Queiroz Lima, em 2016.

HOMENAGEM PÓSTUMA:

  1. Pouco tempo depois de sua morte, com recursos da comunidade boa-viagense, foi edificado um busto em sua memória, que atualmente está colocado na praça que recebe o seu nome;
  2. Em sua memória, na gestão do Prefeito Dr. Gervásio de Queiroz Marinho, através da lei nº 30, de 3 de outubro de 1959, uma praça recebeu a sua nomenclatura e anos depois, já na gestão do Prefeito  Benjamim Alves da Silva, após a construção do Centro Administrativo Governador Virgílio de Morais Fernandes Távora, essa praça foi construída em torno do paço do Poder Executivo;
  3. Em sua memória, na gestão do Prefeito Cícero Carneiro Filho – o Cordeiro, através da lei nº 81, de 1º de junho de 1966, uma represa existente no Distrito de Olho d’Água dos Facundos recebeu a sua denominação.

BIBLIOGRAFIA:

  1. ALVES, Serapião. Serra das Matas. Fortaleza: Tipografia Minerva, 1988.
  2. BARROS LEAL, Antenor Gomes de. Avivando Retalhos – Miscelânea. 2ª edição. Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1983.
  3. BARROS LEAL, Antenor Gomes de. Recordações de um Boticário. 2ª edição. Fortaleza: Henriqueta Galeno, 1996.
  4. CAVALCANTI, Francisco de Sales. Traços biográficos do Mons. José Cândido de Queiroz Lima. Fortaleza: Revista do Instituto Histórico, 1968.
  5. LIRA, João Mendes. Subsídios para a História Eclesiástica e Política do Ceará. Fortaleza: Companhia Brasileira de Artes Gráficas, 1984.
  6. MACÊDO, Diocleciano Leite de. Notariado Cearense – História dos Cartórios do Ceará. V II. Fortaleza: Expressão Gráfica, 1991.
  7. MARTINS, Laís Almeida. Um século de vida pública na Serra das Matas: ensaio (1900 – 2000). Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2017.
  8. MESQUITA, João Helder de. Monsenhor Tabosa e suas Histórias. Fortaleza: MULTIGRAF, 2000.
  9. NASCIMENTO, Cícero Pinto do. Memórias de Minha Terra. Fortaleza: Encaixe, 2002.
  10. SILVEIRA, Aureliano Diamantino. Ungidos do Senhor na Evangelização do Ceará (1700-2004). 1º Vol. Fortaleza: PREMIUS, 2004.

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